terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Parque do Sol


Parque do Sol


Mais uma manhã de grandes descobertas e lá estava Aprício sentado em seu banco de praça lendo o jornal. De repente aparece Matheus, um jovem angustiado...

Matheus: Bom dia...
Aprício: (educadamente) Bom dia jovem, um lindo dia não acha?
Matheus: Sim, um lindo dia para morrer...
Aprício: (interrompendo) Como disse?
Matheus: De que adianta viver sem estar vivo.
Aprício: Uma boa colocação leu em algum livro ou criou isso agora?
Matheus: Não acredita em mim não é? Estou preste a tirar minha própria vida...
Aprício: Que não seja aqui na minha frente e nem no parque, acabaram de limpar tudo.
Matheus: Debochando de mim? Não seria o primeiro...
Aprício: Nem você...
Matheus: O quê?
Aprício: A tentar contra a própria vida. Você meu jovem...
Matheus: Meu nome é Matheus...
Aprício: Que seja... Matheus todos os dias nascem milhares de pessoas e também morrem outros milhares. O que diferencia isso tudo é o modo como nascemos e de que forma iremos morrer... Suicídio é apenas a maneira egoísta de pensar que tudo será resolvido.
Matheus: Sou apenas mais um?
Aprício: Sim, apenas mais um ponto na multidão...
Matheus: Eu sabia...
Aprício: Não, não sabia e não sabe agora. Todos nós somos um ponto na multidão e o que irá diferenciar é como usaremos essa pontuação corretamente.
Matheus: Como assim, você é cheio de metáforas.
Aprício: A Vida é a primeira metáfora...
Aprício: Olhe bem no parque Matheus... Esse parque se chama “Parque do Sol” porque quase não tem muita sombra para aliviar o calor e mesmo assim está sempre cheio de pessoas.
Matheus: Ainda não sei aonde queres chegar...
Aprício: Todas as manhãs eu venho aqui e nesse mesmo banco leio o jornal e ainda observo as pessoas, as mesmas pessoas todos os dias e a cada nova manhã elas se apresentam de uma maneira diferente...
Matheus: Diferente...
Aprício: Observe as crianças, elas estão naquele quadrado de areia cada uma com o seu brinquedo e suas interações são por olhares e não pelos brinquedos. Lá adiante você verá um pipoqueiro, todo santo dia ele chega cedo prepara seu ambiente de trabalho e vende suas pipocas. Observe também as pessoas correndo para manter-se em forma antes que a velhice os atinja o que será inevitável... Observou?
Matheus: Sim...
Aprício: Notou que todos estão sorrindo?
Matheus: Sim, mas...
Aprício: Correto, eles estão sorrindo, mas não quer dizer que sejam totalmente felizes. Notou mais alguma coisa no parque?
Matheus: (surpreso) Certamente, aquele homem lá naquele outro lado sentado no banco...
Aprício: Sabe quem é ele?
Matheus: Não faço a menor idéia...
Aprício: É um poeta...
Matheus: Mais um sonhador...
Aprício: Sim, mais um rico sonhador.
Matheus: Por que rico sonhador?
Aprício: Todo poeta é livre em outro mundo e almeja a mesma liberdade para esse mundo...
Matheus: Agora quem está sonhado é você...
Aprício: Aprício, esse é o meu nome.
Aprício: Como já o tinha falado antes, todas as manhãs estou aqui e aquele poeta também. Sempre calado, escrevendo alguma coisa naquele papel, quase nunca dá um sorriso e depois de escrever muito vai embora no mesmo silêncio que chegou... Eu sempre achei isso estranho. Até que um dia ele deixou no banco um papel com tudo que havia escrito e lá fui eu pegar pára ler. Para minha surpresa ele havia escrito um poema sobre o nosso parque...
Matheus: O que tinha escrito no papel?
Aprício: Um poema chamado

“Parque do Sol”
- Hoje apesar de todo esplendor do Rei Sol
Minhas feridas carnais e espirituais
Estão sendo a companhia que não me deixa só
Crianças tão inocentes que jamais
Entenderão a alegria da inocência
O pipoqueiro que apesar de sua aparência
Carrega no olhar o significado da esperança
Os jovens corredores gastam energia na ilusão
De retroceder o tempo e voltar a ser criança.
Aquele pobre homem sentado lendo jornal
Espero que ele tenha discernimento
As noticias deixa névoa no âmago espiritual
Os humanos se alimentam de maldade pelo pensamento.
Tudo vejo e ainda sou cego
Ainda tem quem queira tirar a vida
Mesmo sabendo que a partida
Antes do prometido é tido
Como prejuízo a investida
Que o Criador nos concedeu
Ainda diz que tudo sofreu
Ninguém deu valor a sua caminhada
Teve uma vida envergonhada
Por não lograr as fortunas do mundo
Imundo pensamento porque a todo
Momento somos mais ricos em discernimento.
Viver é um risco passageiro
Nessa terra somos simplesmente
Forasteiro...
Caminhando vou sem querer
Saber como vou... E vôo.

Matheus: Aprício, você ainda tem esse papel?
Aprício: Não, li, memorizei e devolvi ao mesmo banco. No outro dia o poeta pegou o papel de volta...
Matheus: Ele relatou tudo que se passa aqui no parque e ainda adivinhou que eu apareceria, como pode ser isso?
Aprício: Vai entender o que se passa na cabeça de um poeta... Para que saber o nome dele. Um dia ele se vai e que fica é a sua escrita para um mundo ainda em construção.
Matheus: Vou para casa... Até mais Aprício e muito obrigado.
Aprício: Tchau Matheus, viva, viva e Viva.


Fim


Fernando Matos
Poeta Pernambucano



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